O dilema da distribuição de seguros para pessoas físicas no Brasil: dualidade entre B2C e B2B2C, entre insurtechs e incumbentes, entre embedded insurance e seguros stand-alone e entre canais físicos e digitais

Por Michel Dubernet*

No começo, a distribuição de seguros era exclusivamente de responsabilidade dos corretores. Depois, os bancos começaram a vender seguros e criaram suas próprias seguradoras. Vinte e cinco anos atrás, apareceram seguradoras independentes de bancos, geralmente filiais de grupos estrangeiros, especialistas do modelo B2B2C. Estas seguradoras fizeram parcerias com bancos, financeiras, e também com os varejistas que tinham desenvolvido, junto com os grandes bancos nacionais ou com financeiras estrangeiras, seus braços financeiros de crédito. O mercado ficou então dividido entre corretagem de seguros, Bancassurance e Retailinsurance, o seja, modelo de corretagem e modelo B2B2C. O grande ausente nos modelos de distribuição é a venda direta (modelo B2C) que não pegou no Brasil. Houve uma tentativa nos anos 90 com a filial de distribuição direta de um líder mundial de seguros, que suscitou uma reação dos corretores e recuou.

A evolução tecnológica, com a internet e a eclosão das insurtechs e seguradoras digitais, trouxe a esperança que o modelo de venda direta ia por fim triunfar. Mas a realidade é outra. Apesar de um acesso facilitado aos recursos financeiros das diferentes categorias de fundos de investimentos e de um arcabouço normativo moderno implementado pela Susep, a maioria das insurtechs enfrenta dificuldades para tracionar o negócio. As que focaram no modelo B2C (venda direta) enfrentam o elevado custo de aquisição dos clientes (CAC), que inviabiliza a equação econômica. O tema, cultural no Brasil, é que os clientes potenciais não sentem realmente a necessidade ou não tem as condições financeiras de proteger suas famílias e seus bens contra os diversos riscos da vida. Eles compram seguros quando existe um incentivo, na maioria dos casos na forma de recomendação do banco, da financeira ou do varejista, do seguro associado ao financiamento que os clientes precisam para satisfazer a necessidade de compra de um bem durável, como um imóvel, um carro ou um eletroeletrônico. São então seguros atrelados (também chamados embedded insurance) a uma jornada de outro produto, como um produto financeiro ou um bem. Os mais populares são os seguros prestamistas e habitacionais, atrelados a um financiamento ou os de garantia estendida, atrelados a um eletroeletrônico. É interessante notar que a relação de recomendação do seguro a outorga do financiamento ou do bem se dá mais intensamente no mundo físico que no mundo digital, onde o cliente está sozinho na frente do seu smartphone. Assim, a taxa de aproveitamento dos seguros atrelados (“embbeded) fica muito mais baixa no mundo digital que no mundo físico. A título de ilustração, a redes de varejo mais eficientes conseguem uma taxa de penetração de 25% a 35% nas lojas físicas e de 2% a 3% no e-commerce ou no aplicativo, quando são bem-sucedidas.

Na categoria dos seguros que não são “embedded”, que chamaríamos de “stand-alone”, ou seja, que se vendem independentemente de outro produto, estão os seguros de auto e de viagem. Seriam os principais seguros para os quais existe uma demanda espontânea, uma certa consciência do risco e a necessidade de proteção. A distribuição do seguro de auto continua nas mãos dos corretores, mas várias seguradoras digitais investem neste mercado. O seguro-viagem é vendido sobretudo através de parcerias com as agências de viagem e companhias aéreas (mas não necessariamente na jornada da venda das passagens), e pouco de maneira direta.

Frente as dificuldades de tracionar o modelo direto (B2C) de distribuição, as insurtechs e seguradoras digitais tiveram que pivotar para o modelo B2B2C, para ter acesso, mediante comissão, a uma base já constituída de clientes. Só que, até no modelo B2B2C, ter acesso a uma grande base de clientes não é uma garantia de sucesso. Porque quando se trata de seguros stand-alone, a falta de cultura de seguros e da consciência do risco continuam sendo um grande obstáculo. Como se diz frequentemente, “ninguém acorda de manhã para comprar um seguro”, ou seja, mesmo tendo acesso a uma jornada digital agradável, ultra otimizada e com compra em poucos cliques, não significa que o cliente vai tomar a iniciativa da compra. Com esta percepção, as insurtechs e seguradoras digitais orientaram seus esforços na direção de parcerias para produtos atrelados como o seguro prestamista, carro chefe de qualquer parceria. O tema neste caso é que elas enfrentam a concorrência feroz das seguradoras bem estabelecidas, que criaram este mercado há mais de 25 anos, e tem “bala” para financiar as luvas milionárias dos acordos de exclusividade (“up front fees”). Para chegar a tracionar, elas têm também que privilegiar o mundo físico (sucursais de bancos, redes de lojas), onde a tecnologia que constitui seu principal diferencial competitivo não tem tanto campo de aplicação. Por este motivo, as insurtechs e seguradoras digitais tendem a focar em parcerias com atores digitais, como fintechs e bancos digitais. Em paralelo, as seguradoras incumbentes, estas que entraram no mercado B2B2C há 25 anos, investem na tecnologia para não deixar o flanco das fintechs e bancos digitais descoberto, com as dificuldades inerentes aos legados pesados e ao fator cultural de ser seguradora e não empresa de tecnologia. Em alguns poucos casos, a opção é por incubar uma start-up digital, destacada da estrutura consolidada.

Aqui está o dilema para os novos atores digitais: ficar confinado a mercados de nicho, com parcerias com outros atores digitais. E o dilema para as incumbentes: ganhar em agilidade e virar verdadeiras empresas de tecnologia que vendem seguros. A modalidade “figital”, mescla dos termos físico e digital, mutuamente complementares e dando a dupla opção de acesso ao cliente), não é trivial, nem simples de implantar.

Independentemente do perfil da empresa (incumbente ou insurtech) e do canal de distribuição (físico ou digital), as seguradoras têm que encontrar a jornada certa e o mercado tem que investir pesado na educação, na conscientização dos riscos e na necessidade de proteção. Só assim chegaremos no Brasil aos níveis de penetração de seguros dos países com mercados maduros.

Michel Dubernet é executivo sênior com 30 anos de experiência em serviços financeiros e seguros. Iniciou sua carreira no setor bancário e liderou durante 14 anos o desenvolvimento da franquia do BNP Paribas Cardif na América Latina, abrindo sucessivamente 6 países do zero. BNP Paribas Cardif é hoje líder de seguros pessoais por B2B2C na América Latina. Participou da definição e lançamento da AXA no Brasil como vice-presidente de vida e afinidade, função que ocupou durante 5 anos. Foi conselheiro da Caixa Seguros Holding e da CNP Seguros Holding. Atualmente é CEO e co-fundador da empresa de consultoria Partenariat (especializada em seguros, B2B2C e Digital), Angel Investor, mentor e consultor de algumas das Insurtechs mais promissores.

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