Em julho de 2024, a Superintendência de Seguros Privados (Susep) abriu a 3ª edição do Sandbox Regulatório. O objetivo era fomentar soluções genuinamente inovadoras, com uso de novas tecnologias, produtos ou metodologias voltadas ao mercado de seguros. Entretanto, nem todos os projetos se adequam ao Sandbox, seja por não atenderem suficientemente aos critérios de inovação, seja por apresentarem características que fogem às diretrizes estabelecidas.
Para empreendedores que seguem em busca de viabilizar seus planos — ou consideram que prazos, limites de subscrição e outras particularidades do Sandbox não sejam ideais para seu modelo de negócio — existem alternativas sólidas:
- Constituição de microsseguradoras ou seguradoras nos segmentos S3 ou S4, caminho que foi seguido pela Sky Microsseguradora, Ezze, Suíça, Você e 180 Seguros;
- Criação de uma MGA (Managing General Agent) em parceria com uma seguradora devidamente autorizada, como a Pitzi, a Hero e a Justos.
Sandbox Regulatório: Inovação e Limites
O Sandbox foi concebido para estimular experimentações em um ambiente de supervisão diferenciado, com capital base reduzido de aproximadamente R$ 1 milhão. Nele, as seguradoras aprovadas recebem uma autorização temporária de até três anos e estão submetidas a critérios específicos:
- Limitação de Número de Itens
Em geral, há um limite de aproximadamente 150 mil itens segurados por ano, preservando o caráter experimental do programa. - Valor Máximo de Importância Segurada
Os seguros no âmbito do Sandbox têm importâncias seguradas máximas que costumam variar de R$ 120 mil(seguros em geral) a R$ 180 mil (cobertura casco em seguro auto) e R$ 200 mil (seguros agrícolas). - Linhas de Negócio Autorizadas
As seguradoras participantes podem atuar apenas em determinados ramos — como Automóvel, Patrimonial, Pessoas (Individual), Fiança Locatícia e Agrícola —, conforme limites de vigência e restrições de cobertura estabelecidos em edital. - Prazo de Vigência dos Contratos
Diversas apólices devem ser estruturadas com vigência mensal ou anual, seguindo normas do programa e garantindo maior controle sobre liquidação de sinistros. - Menor Complexidade Regulatória
Em contrapartida a essas limitações, o Sandbox oferece trâmites de aprovação mais simples em certos aspectos, permitindo que empreendedores testem produtos inovadores em escala restrita antes de expandir ou migrar para segmentos tradicionais (microsseguradora, S4, S3 etc.).
No conjunto, esses parâmetros asseguram maior monitoramento pela Susep e fomentam projetos diferenciados, ao mesmo tempo em que protegem o consumidor e contribuem para a estabilidade do mercado.
Diferentes Caminhos para empreender no Mercado de Seguros
Além do Sandbox, é possível constituir seguradoras em segmentos tradicionais, cada um com níveis de capital mínimo, amplitude de produtos e escopo de atuação distintos. A escolha depende da estratégia de cada negócio, do perfil de risco e das perspectivas de crescimento.
Microsseguradoras
- Capital Mínimo: A partir de R$ 3 milhões para atuar em todo o Brasil
- Foco: Voltadas à população de baixa renda, microempreendedores individuais e pequenas empresas
- Perfil de Produtos: Planos de menor ticket e coberturas mais simplificadas
- Limitações: Restrições na extensão das coberturas, visando sustentabilidade financeira
- Vantagens: Indicadas para nichos pouco explorados ou produtos de proteção social, com menores custos para o segurado
- Exemplos recentes: Facta, que começou como microsseguradora, e a a Sky Microsseguradora.
Segmento S4
- Capital Mínimo: Cerca de R$ 3,96 milhões para o Brasil inteiro (podendo ser menor se optar por atuação regional)
- Produtos Autorizados: Abrange ramos dos grupos Automóvel e Habitacional (vigência de até um ano), Patrimonial (exceto certos riscos como engenharia, lucros cessantes, riscos nomeados e operacionais), seguros de Pessoas (em regime de repartição simples e vigência não superior a um ano) e microsseguros
- Restrição de Investimentos: Limites para alocação de recursos e proibição de operar derivativos
- Pontos Fortes: Exigência de capital menor que o S3, sem limitação de prazo como no Sandbox. Ideal para produtos de seguro mais simples que não exijam total abrangência de mercado
- Exemplo recente: Suíça Seguradora.
Segmento S3
- Capital Mínimo: A partir de R$ 8,1 milhões para atuação nacional (valor menor se a abrangência for regional)
- Amplitude de Atuação: Permite operar praticamente todos os ramos de seguros, sem limite de importância segurada
- Perfil: Ideal para empresas com projeção de grande crescimento e que necessitam de liberdade para desenvolver produtos variados ou que já tenham canal de distribuição.
- Vantagens: Ausência de limites quanto a valor segurado, número de itens, vigência ou investimentos, embora exija maior aporte inicial
- Exemplo recente: Você Seguradora e 180 Seguros.
Reflexão e Escolha Estratégica
Definir entre microsseguradora, S4 ou S3 requer avaliar o escopo de produtos, o público-alvo e os recursos disponíveis. Enquanto a microsseguradora atende grupos mais populares e exige capital menor, o S4 amplia a oferta, mas mantém limitações de investimento. Já o S3 oferece plena liberdade de atuação, ao custo de um aporte inicial substancialmente maior.
Segundo Roberto Panucci, advogado especializado na constituição de seguradoras e processos de autorização, “diversos clientes optaram por não buscar uma autorização no âmbito do Sandbox e por partir diretamente para uma microsseguradora, S4 ou S3, seja porque seu projeto não atende ao requisito de inovação, seja por limitações de número de itens, valor de importância segurada ou produtos. É importante refletir sobre o perfil de cada negócio e preparar um plano de negócios detalhado, que comprove a viabilidade e a aderência regulatória antes de optar por uma dessas alternativas.”
Para ele, “o Sandbox continua sendo uma iniciativa muito valiosa para incentivar novas ideias. Porém, se a proposta não se enquadrar bem ou se o empreendedor planeja algo mais amplo e de maior duração, os segmentos S3 e S4 (ou mesmo uma microsseguradora) podem ser mais indicados no longo prazo.”
O Papel das MGAs (Managing General Agents)
Outra alternativa promissora para oferecer produtos específicos ou atender nichos de mercado é a criação de MGAs(Managing General Agents). Embora o conceito ainda não possua regulamentação exclusiva no Brasil, a atividade pode ser enquadrada como representação de seguros, segundo a Resolução CNSP nº 431/2021. Dessa forma, a MGA atua em nome de uma seguradora parceira, desempenhando funções como:
- Subscrição de riscos
- Emissão de apólices
- Regulação e pagamento de sinistros
- Atendimento ao cliente
O modelo já é consolidado em países como Estados Unidos e Reino Unido e vem ganhando força no Brasil, sobretudo porque possibilita às seguradoras reduzir custos operacionais e focar em suas áreas mais estratégicas. A MGA, por sua vez, não precisa de autorização própria junto à Susep nem de capital mínimo, concentrando-se em nichos específicos e oferecendo produtos inovadores.
Para o sucesso dessa modalidade, é fundamental formalizar um contrato robusto com a seguradora, definindo minuciosamente obrigações e responsabilidades de cada parte, características dos produtos, procedimentos de subscrição e de regulação de sinistros, marketing, atendimento ao cliente e tratamento de eventuais reclamações.
Segundo o advogado Roberto Panucci, “o modelo de MGA não é novo no Brasil, mas vem ganhando relevância após a Resolução CNSP 431, que conferiu segurança jurídica. É uma ótima estratégia para operar em nichos de mercado, em parceria com seguradoras devidamente autorizadas, sem ter de constituir uma seguradora própria. Exemplos disso são a Justos, que além de ser uma seguradora devidamente autorizada, atua como MGA da Excelsior, e a Hero”
Novos Projetos — Planejamento Estruturado
Independentemente do caminho escolhido — seja o Sandbox Regulatório, a constituição de uma seguradora S3 ou S4, a formatação de uma microsseguradora ou a estruturação de uma MGA —, há um conjunto de etapas e responsabilidades que exigem condução cuidadosa. É imprescindível elaborar um plano de negócios sólido, com projeções de receita e despesas, definição de produtos e subscrição de riscos, além de prever as políticas internas de governança e compliance.
A assessoria jurídica e técnica é essencial: envolve a análise da adequação regulatória, o desenho de contratos e políticas de subscrição, bem como a implementação de práticas de compliance e proteção de dados. Esse suporte especializado mitiga riscos e contribui para a credibilidade do empreendimento junto a parceiros, investidores, resseguradoras e ao próprio órgão regulador.
Em síntese, caso o Sandbox não seja a via mais adequada, há diversos caminhos para empreendedores que desejam inovar ou escalar negócios no mercado de seguros. Seja pela constituição de seguradoras (S3, S4 ou microsseguradora) ou pelo modelo de MGA, planejamento robusto e aderência regulatória são cruciais para a perenidade da operação, bem como para a proteção de todas as partes envolvidas.