Setor de seguros enfrenta tensão em meio aos desafios da mudança climática

As seguradoras alertam que mudança climática está desestabilizando as estruturas financeiras, ameaçando investimentos, moradias e setores de produção em todo o mundo

A mudança climática está ameaçando desestabilizar todos os setores da economia global, mas talvez nenhum deles seja tão importante quanto o setor de seguros.

À medida que o clima se torna mais extremo, o nível do mar aumenta e as temperaturas sobem, os corretores enfrentam um problema intratável: como fazer seguro em um mundo cada vez mais imprevisível.

“Essa não é uma questão vaga ou futura — é a realidade física”, diz Günther Thallinger, presidente do Conselho de Sustentabilidade da Allianz.

A intensificação de tempestades, ondas de calor, enchentes e secas está danificando ativos fixos e interrompendo operações industriais com frequência cada vez maior.

Fábricas, redes de transporte e cadeias de suprimentos são vulneráveis a essa mudança, e os fabricantes com presença global já estão percebendo o impacto nos balanços patrimoniais e na continuidade operacional.

O que antes era considerado uma externalidade agora é material.

“Classes inteiras de ativos estão se degradando em tempo real, o que se traduz em perda de valor, interrupção de negócios e desvalorização do mercado em um nível sistêmico”, explica Günther.

O seguro não é mais uma rede de segurança

Tradicionalmente, o setor de seguros atua como um amortecedor entre os elementos naturais e as perdas econômicas. No entanto, esse amortecedor está se deteriorando.

As seguradoras estão se retirando cada vez mais dos mercados de alto risco, onde o custo da subscrição excede o que os clientes podem pagar.

Em 2023, a State Farm e a Allstate se retiraram do mercado de seguros residenciais da Califórnia devido ao grande risco de incêndios florestais.

“Estamos nos aproximando rapidamente dos níveis de temperatura — 1,5°C, 2°C, 3°C — em que as seguradoras não poderão mais oferecer cobertura para muitos desses riscos”, afirmou Günther.

Riscos climáticos não seguráveis podem causar um êxodo significativo de residentes em áreas de alto risco, cujas casas podem ser destruídas sem nenhuma rede de segurança para se apoiar.

Os impactos também se estendem à economia global. Sem seguro, os mercados de crédito tendem a se fechar.

Hipotecas, empréstimos comerciais e financiamento de infraestrutura dependem do fato de os ativos subjacentes serem seguráveis.

Sem seguro, esses ativos se tornam inacessíveis e os mercados entram em colapso.

Isso representa um desafio para os setores de manufatura que dependem de despesas de capital em larga escala e investimentos de longo prazo.

O Estado sempre será um apoio?

Os governos, antes vistos como seguradoras de última instância, também estão atingindo seus limites financeiros.

Os esforços de socorro a desastres públicos, como o pacote de inundações de US$ 33 bilhões da Alemanha em 2021 ou os repetidos pagamentos da Austrália para incêndios florestais e inundações, estão se tornando mais difíceis de sustentar.

Antoine Poincaré, diretor da Escola do Clima da AXA, apontou a experiência do incêndio de Los Angeles como um sinal de alerta.

“O Estado decide limitar os preços dos seguros em regiões de alto risco, as seguradoras privadas vão embora, todo mundo recorre à seguradora de último recurso, ocorre um desastre e a seguradora de último recurso não pode pagar, o Estado aumenta o imposto sobre todas as seguradoras privadas da região para socorrê-las”, explica ele.

“Até o momento, isso se mantém porque não é tão frequente; em um mundo mais quente, não sabemos por quanto tempo isso acontecerá.”

Essa sequência revela como a exposição insustentável ao risco pode se espalhar pelos setores público e privado, prejudicando a estabilidade financeira.

Para o setor de manufatura, isso se traduz em prêmios crescentes, acesso limitado a seguros e incerteza crescente em relação à viabilidade de projetos futuros — especialmente em regiões expostas ao clima.

As limitações da adaptação climática

Há uma narrativa crescente sobre a adaptação climática, mas a Allianz adverte que isso tem limites.

“Não há como se ‘adaptar’ a temperaturas além da tolerância humana”, explica Günther.

Zonas industriais em áreas costeiras baixas ou regiões propensas a incêndios florestais não podem ser facilmente realocadas ou adaptadas contra extremos.

Para os fabricantes, especialmente os de setores com uso intensivo de energia ou geograficamente restritos, isso apresenta escolhas estratégicas difíceis.

“Quando atingimos 3°C de aquecimento, a situação fica congelada”, diz Günther.

“Não há nenhum caminho conhecido para retornar às condições anteriores a 2°C.”

Nesse ponto, o risco não pode ser transferido, absorvido ou adaptado. Sem isso, o investimento de longo prazo torna-se praticamente impossível.

A necessidade urgente de descarbonização

O caminho a seguir, de acordo com a Allianz e outros, é claro — reduzir as emissões em velocidade e escala.

As tecnologias existentes, como a solar, a eólica, o armazenamento de baterias, o hidrogênio verde e as atualizações da rede elétrica, precisam ser implantadas rapidamente.

Segundo eles, isso não é apenas um imperativo moral. Trata-se de um imperativo financeiro.

“Não se trata de salvar o planeta”, explica Günther.

“Trata-se de salvar as condições sob as quais os mercados, as finanças e a própria civilização podem continuar a operar.”

Os fabricantes, especialmente aqueles que dependem de seguros, finanças e fluxos de capital transfronteiriços, devem ver a descarbonização não apenas como uma exigência regulatória ou ética, mas como uma pré-condição para a continuidade dos negócios.

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